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Relações perigosas: como os Estados Unidos e a Europa contribuem para a geopolítica do terror

  • Foto do escritor: Guilherme Carvalho
    Guilherme Carvalho
  • 23 de nov. de 2015
  • 8 min de leitura

Relações perigosas: como os Estados Unidos e a Europa contribuem para a geopolítica do terror



O que a maior parte da mídia de massa, em especial nos países desenvolvidos, ignora, ora por interesses políticos, ora por interesses comerciais e financeiros, por intermédio de lobbies e de instituições "think-tank" partidárias, o que é simplesmente lamentável, na minha opinião, é o fato de os governos norte-americanos e europeus terem, durante muito tempo, contribuído e motivado (e continuam contribuindo e motivando), direta e indiretamente, na formação de grupos separatistas e movimentos nacionais-religiosos que evoluíram para a rede global de grupos extremistas terroristas que atualmente têm por objetivo atacar o próprio Ocidente e seus valores, sua cultura, seus desígnios e seus interesses globais.


A teoria de "blowback" proposta pelo acadêmico norte-americano, Chalmers Johnson, que explica como ações desastradas de política externa, seja apoio financeiro, seja intervenções militares, por parte dos Estados Unidos e da União Europeia nos países do Oriente Médio e da África, acabam por reverter em ataques contra os próprios interesses norte-americanos e europeus, não só com grandes danos e perdas materiais e humanas, como também danos geopolíticos os quais afetam a capacidade norte-americana de liderar novas iniciativas no âmbito global.


Nenhum ato de terrorismo é justificável e nunca vai ser pela covardia dessa tática que visa instituir o medo ou terror, como o nome mesmo denota, ao atacar civis inocentes. Como já disse em posts anteriores, eu estava em Nova Iorque no 11 de setembro de 2001 e vi bem de perto os efeitos aterrorizantes desses atos; entretanto, não é novidade nenhuma que o apoio norte-americano, na década de 1980, ao grupo rebelde mujahideen, fundado e coordenado por Osama Bin Laden, a fim de impedir a dominação do Afeganistão pelas forças soviéticas, veio a formar o núcleo duro do que depois desembocou na Al Qaeda. Depois da Guerra do Golfo de 1990-1991, quando as forças militares norte-americanas utilizaram a Arábia Saudita, terra sagrada dos muçulmanos, como base de suas operações contra o exército iraquiano de Saddam Hussein (governo que também teve apoio financeiro e militar dos Estados Unidos na década de 1980), que tinha invadido o Kuwait e, consequentemente, tinha colocado em risco o fornecimento de petróleo para os Estados Unidos, Bin Laden passou a direcionar as ações da Al Qaeda contra os Estados Unidos e seus aliados, pois qualificava como um insulto ao Islã ter infiéis ou cristãos estacionados nas terras sagradas dos muçulmanos.


Analisando a situação atual, depois do 11 de setembro e a deflagração da Guerra contra o Terror, desencadeada pelo presidente George W. Bush, com as invasões do Afeganistão e, pela segunda vez, do Iraque, os grupos terroristas, em especial a Al Qaeda, apesar de ter sofrido fortes baixas, inclusive de boa parte de sua liderança, já na administração Obama, com o uso dos drones e de operações especiais cirúrgicas em diversas partes da região, se espalharam, tornando-se mais difusos e fragmentados, e, por isso, mais difíceis de serem localizados e combatidos. Com a saída, ou diminuição significativa, das forças militares norte-americanas do Iraque e do Afeganistão, e a mudança de foco gradual da política externa norte-americana para a Ásia e o Pacífico, sinalizada pelo presidente Barack Obama, as tensões e as divisões, no âmbito regional, étnico-religiosas, tribalistas e nacionalistas, entre populações sunitas, xiitas, curdas, entre outros grupos menores, que historicamente sempre existiram e que eram suprimidos por governos autocráticos como o regime de Saddam Hussein no Iraque, emergiram de forma incontrolável e em batalhas sangrentas.


Com a mudança do contexto do conflito, que antes era o de forçar a retirada das forças “imperialistas” norte-americanas e inglesas para a de um conflito étnico-religioso regional, dois dos principais “jogadores” geopolíticos do Oriente Médio, a Arábia Saudita (junto com seus principados irmãos como os Emirados Árabes Unidos, o Catar e o Bahrain), pelo lado sunita, e o Irã, pelo lado xiita, tentam suprir o vácuo de poder causado pela retirada norte-americana, de modo que muitos dos grupos terroristas extremistas islâmicos são, direta ou indiretamente, financiados por esses países, a fim de influenciar os acontecimentos nos territórios onde essas forças estão se digladiando, como no Iraque e na Síria.


Contudo, a situação da ascensão de grupos com ideologias ainda mais extremistas, como o Estado Islâmico (ou ISIS) e partes ou células da Al Qaeda, demonstram a grande complexidade e entrelaçamento entre objetivos locais desses grupos e os geopolíticos dos respectivos atores regionais, no sentido de que esses grupos, ao atingirem certa independência logística, seja com armamentos, com domínio de certos territórios ou de dinheiro, com a venda de petróleo no mercado negro, começam a divergir de seus financiadores. Por exemplo, com a eclosão da chamada Primavera Árabe, que começou na Tunísia, em 2010, e se expandiu pelo mundo árabe, com o povo em geral reivindicando uma maior participação política e democratização do Estado, as monarquias árabes tentaram reprimir com brutalidade, umas com sucesso, como no caso do Bahrein, outras nem tanto, como na Líbia. Em algumas dessas ofensivas contra os movimentos populares, a formação desses grupos paramilitares foram sendo motivados por alguns governos, a fim de combater não só as manifestações de massa, como também um domínio xiita maior em certa localidade, e vice-versa se os grupos insurgentes fossem sunitas; em outros casos, novos grupos dissidentes foram formados para combater os próprios regimes.


A realidade é que, contraditoriamente, o regime da Arábia Saudita, entre outras monarquias árabes sunitas não somente são consideradas aliadas por Washington, Paris, Londres e Berlin, como também são protegidas pelas forças militares norte-americanas e europeias pelo interesse óbvio de garantir um fluxo seguro no comércio do petróleo e de investimentos (é crucial lembrar que os sheiks desses países investem nos maiores clubes de futebol europeus, via empresas, como a empresa aérea Emirates), ignorando o fato que esses regimes continuam financiando alguns desses grupos terroristas de forma direta, como as ações de certo grupos sunitas militares no Iêmen e na Síria, ou indireta, mediante doações feitas a clérigos ou imãs de visões ultraconservadoras e puritanas, conhecidas como Wahabi, na Arábia Saudita, que pregam a implementação da lei islâmica sharia na sua forma mais radical e fundamentalista, que acabam sendo direcionadas para grupos como o Estado Islâmico e outros grupos extremistas, a fim de evitar o domínio xiita nas zonas de conflito. Grupos terroristas esses que degolam mulheres, crianças, idosos e prisioneiros norte-americanos, europeus e/ou cidadãos considerados aliados dos Estados Unidos e da União Europeia, como o piloto jordaniano que foi queimado vivo.

Ou seja, indiretamente, os países desenvolvidos do Ocidente contribuem, mediante ajuda financeira ou militar direta a certos regimes aliados da região, ou até mesmo através de relações comerciais para a compra de petróleo, ou a aquisição de investimentos árabes nas empresas e nos bancos americanos e europeus. Relações comerciais e investimentos que retornam para esses governos árabes-monárquicos, os quais, em contrapartida, repassam parte desses recursos financeiros para que esses grupos extremistas sejam armados e ganhem cada vez mais influência e operacionalidade na região que atuam, e até nos países do Ocidente, via radicalização de muçulmanos marginalizados naquelas sociedades ocidentais pelo uso da internet. A cor desse petróleo e desse dinheiro é vermelho de sangue de milhares de pessoas: sejam os próprios povos árabes oprimidos, sejam de civis norte-americanos, europeus ou de turistas no Ocidente, mediante guerras civis e ataques terroristas. Portanto, Washington e os europeus precisam tomar uma postura mais demandante e assertiva com relação a esses regimes e suas conexões e o financiamento, direto e indireto, desses grupos terroristas extremistas.


O mesmo tipo de dinâmica ocorre no lado xiita, com o Irã financiando milícias xiitas no Iraque, dando apoio às ações coercitivas do ex-primeiro-ministro iraquiano xiita, Al-Maliki, do atual, Haider al-Abadi, e os curdos no Iraque, assim como, do governo de Bashar Al-Assad na Síria, do Hezbollah no Líbano e, até do Hamas, que apesar de não ser xiita, mas sunita, ganha apoio logístico, militar e financeiro do Irã, via Síria, pelo fato do grupo combater Israel na Faixa de Gaza palestina.


Esse último fato demonstra a complexidade dos diferentes níveis de poder, de influência, de interesses e de ideologia étnico-religiosa tribal que estão inseridas nesses conflitos.

Em uma análise do tabuleiro geopolítico no contexto mais global, a sinalização da mudança de prioridades na política externa norte-americana, o chamado Pivô para a Ásia, de Obama, está criando uma gama de interesses conflitivos por parte de Israel, da Arábia Saudita, do Irã e, em especial, da China, que, na minha opinião, só intensificam ainda mais os embates no Oriente Médio.


Vejamos um por um: Israel teme que essa mudança estratégica geopolítica por parte da administração Obama, cause um desinteresse norte-americano pela região, consequentemente, enfraquecendo o nível de comprometimento do governo norte-americano para com o regime israelense. Sendo assim, os israelenses, às vezes de maneira proposital, causam algum tipo de conflito diplomático ou iniciam algum tipo de provocação, a fim de intervir militarmente nas áreas palestinas. Já o Irã usou bem seu programa nuclear como instrumento de barganha, para ganhar tempo e para expandir sua influência no Iraque e na Síria, vendo a saída estratégica dos Estados Unidos como uma oportunidade única de suprir o vácuo de poder deixado o que, obviamente, também acaba contribuindo para a intensificação dos conflitos. A Arábia Saudita, ironicamente, assim como Israel, teme que os americanos percam interesse na geopolítica da região e sua dependência do petróleo saudita, ameaçado com a descoberta de vastas reservas de gás de xisto o que está revolucionando a matriz energética norte-americana e diminuindo consideravelmente a dependência dos Estados Unidos do fluxo de petróleo saudita. Por isso, mesmo com a queda na demanda no mercado de petróleo pela desaceleração da China e com o aumento da produção advinda da exploração de novas reservas, que já estão pressionando os preços do petróleo para baixo, os sauditas estão deliberadamente mantendo a sua produção em patamares considerados altos para a atual conjuntura econômica, com a finalidade política de manter o preço do petróleo no mercado mundial baixo, inviabilizando alguns dos empreendimentos feitos na exploração do gás de xisto nos Estados Unidos. Talvez, o interesse mais importante nesse cenário geopolítico global é da China, porque os chineses analisam essa mudança de prioridade da política externa norte-americana como uma iniciativa de cercamento ou de isolamento da crescente influência chinesa no leste e sudeste asiático. Por isso, é interessante para a China que os conflitos no Oriente Médio, até certo ponto, continuem ocupando a atenção de Washington.


Acredito que a mudança estratégica da política externa de Obama para a Ásia é correta, pois a China já se apresenta como um adversário relevante em todos os aspectos centrais da política internacional como na economia, no comércio, nas áreas militares e tecnológicas, geopolítica e até mesmo espacial. Nesse sentido, a aliança de Washington com os seus parceiros europeus, haja vista a intensificação dos atentados terroristas na Europa, é crucial, para que uma diminuição ou até “retirada”, mesmo que parcial, dos Estados Unidos do Oriente Médio e da África, não deixe vácuos de poder a serem preenchidos por grupos de natureza extremista ou governos indesejáveis.


Gostaria de deixar claro que não estou, de forma alguma, advogando uma intervenção militar por parte dos europeus ou conjunta de europeus e de norte-americanos no Oriente Médio, acredito que não há solução estritamente militar e de curto prazo que resolva esses conflitos, muito pelo contrário, acho que só intensificaria ainda mais a gravidade do problema, o que estou propondo é uma aliança mais próxima entre os E.U.A. e a U.E. em termos de articulação geopolítica e, analisando friamente a natureza complexa da política dessa região, essa aliança é fundamental para que núcleos de poder mais moderados sejam formados nos diversos países do mundo árabe. Acho que mesmo com toda essa complexidade, o Oriente Médio não pode retroceder, em termos de liberalização política, como acabou acontecendo no Egito, onde um poder autoritário simplesmente foi trocado por outro, depois da deposição de Mursi, que foi eleito pelo voto popular, praticamente sem nenhum ganho de cunho democrático para o povo egípcio. Por isso, acredito que o chamado "Ocidente", idealmente com participação multilateral dos órgãos da O.N.U., dos países árabes mais moderados e do Irã, devem auxiliar o desenvolvimento desses núcleos moderados na região, a fim de conciliar o Islã com conceitos democráticos de poder, como já acontece, de uma forma ou de outra, na Turquia, ao invés de forçar um conceito puramente "Ocidental de democracia" nesses países o que já provou ser totalmente contraprodutivo, e, enfim, encontrar soluções, no longo prazo, duradouras para a paz e estabilidade nessa combalida região.

David E. Barreto, cientista político e historiador, formado na City University of New York – Queens College.

dbrazilianny@aol.com

https://www.facebook.com/david.barreto.100

 
 
 

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