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Como o processo de impeachment de Dilma Rousseff demonstra como as engrenagens dos três poderes estã

  • Foto do escritor: Guilherme Carvalho
    Guilherme Carvalho
  • 18 de dez. de 2015
  • 9 min de leitura

Como o processo de impeachment de Dilma Rousseff demonstra como as engrenagens dos três poderes estão funcionando e aperfeiçoando nosso regime democrático.

“As mais soberanas funções do poder não gozam da sua soberania senão nos limites da competência em que as leis a circunscreveram. Excedida a competência, para logo cessa o benefício da soberania o caráter de autoridade juridicamente insindicável dos atos políticos do governo."

Rui Barbosa


Começo esse artigo com as doutas palavras do nosso mais ilustre constitucionalista, Rui Barbosa, que define bem o que é a definição do Estado de Direito e dos limites que essas leis impõem às autoridades que exercem o poder. E ontem, em uma sessão plenária histórica da Medida Cautelar de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF-378), o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu o rito de impeachment do(a) presidente da República o que, consequentemente, redefiniu a distribuição de poder entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) no sistema político brasileiro. Dentre as várias controvérsias resolvidas nessa sessão, uma pode ser destacada como crucial nessa redistribuição da balança de poder entre os três poderes: a de que o Senado Federal tem a prerrogativa de optar por processar ou não o mandatário do Executivo, após o impeachment ter sido autorizado por 2/3 dos votos dos legisladores na Câmara dos Deputados, logo, o princípio do bicameralismo do Poder Legislativo, no nosso sistema político, fora elevado ao máximo de sua definição. E diferente dos jornais e da mídia em geral, que de costume têm tratado a decisão do STF como vitória para um ou derrota para outro, veremos a seguir algumas das relevantíssimas consequências dessa decisão e de outras que impactarão, transformarão e aperfeiçoarão o nosso sistema democrático de pesos e contrapesos; acompanhada de uma análise de todo o contexto do ambiente político atual e do processo de impeachment de Dilma Rousseff nessa dinâmica de poder.


Primeiramente, gostaria de declarar meu otimismo em relação a essas mudanças, pois, como escrevi em um artigo anterior, no Jornal Argumento, intitulado “Dilma vs. Cunha, entre o amor e o ódio. A centralidade do Executivo no sistema político brasileiro”, concluí que o manipulador regimental e presidente da Câmara, Eduardo Cunha, havia cometido um grande erro de cálculo ao deflagrar o impeachment contra a presidente da República, Dilma Rousseff, pois, historicamente, desde os tempos imperiais, com algumas breves exceções, o(a) chefe do Executivo, no chamado “presidencialismo de coalizão”, tem um protagonismo político muito acentuado, em relação aos outros poderes, nos diversos sistemas políticos brasileiros, até mesmo, naqueles mais democráticos como os fundados nas constituições de 1934, 1946 e, no atual regime constitucional da Carta de 1988. Em suma, de forma conotativa, afirmei que Eduardo Cunha tinha vindo para a briga com uma simples “faca”, enquanto Dilma tinha vindo de “foice”, ou seja, um conflito, o qual diante das atuais circunstâncias, era mais do que previsível que o presidente da Câmara, certamente, perderia, devido ao poder de cooptação que a presidência da República mantém, mesmo em tempos de graves crises de governabilidade, como agora.


Depois do resultado de ontem, da ADPF-378 pelo STF, esse centralismo político do Poder Executivo ainda persiste, porém, é inegável, ao meu ver, que houve, pelo lado estrutural e absoluto, perda de poder da Câmara dos Deputados; porém,acredito que, pelo lado pelo menos conjuntural e relativo, uma diminuta, mas importante, perda de poder por parte da presidência da República. Ademais, sustento essa tese baseado, não só no resultado da decisão do STF, como também no ambiente de mais autonomia que restou e, na minha opinião, ainda restará por um bom tempo como um precedente abstrato, tanto da maneira como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, operou sua esfera de poder, em uma das casas legislativas, quanto dos ministros de Estado, os quais, por diversas vezes, pessoalmente, articularam a coordenação política do governo diretamente com o Congresso. Alguns vão dizer que isso foi apenas uma consequência direta da falta de habilidade político-estratégica de Dilma Rousseff como presidente, coadunado com os baixíssimos números de popularidade do governo; e, sobretudo, que se um outro presidente mais articulador dos bastidores do jogo político estivesse no poder, esse protagonismo seria o mesmo de outros tempos.


Discordo dessas premissas por dois motivos transformadores de todo esse contexto: 1) a Operação Lava-Jato, a qual tem colocado em total exposição os danos causados por esse “presidencialismo de coalizão”, que distribui ministérios e cargos em troca de votos e de sustentação política no parlamento, e o que, na minha opinião, gerará tanto de um lado, do Executivo, quanto de outro, do Legislativo, relações, minimamente, mais autônomas e independentes entre si. 2) O irônico precedente de exercício de poder que deixa o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, indubitavelmente o presidente mais poderoso que a Câmara dos Deputados já viu, e que, apesar de nocivo, porque foi levado às últimas consequências, demonstra que o Poder Legislativo, se bem articulado e com uma maioria em sintonia, pode, e, ao meu ver, deve se sobrepor ao Poder Executivo. Não por pura vaidade ou sobrevivência política e pessoal, como vem acontecendo nesse episódio de conflito entre esses dois poderes, personificados no embate Dilma vs. Cunha; mas, pelas diferentes atribuições, pelas funções e pelas esferas de atuação que cada Poder deve exercer para o funcionamento cada vez mais ideal dos mecanismos de pesos e contrapesos (ou, em inglês, chamado de “Checks and Balances”) em uma democracia. Afinal de contas, como escreveu o grande filósofo e engenheiro político, Charles-Louis de Secondat, ou barão de Montesquieu, e responsável pelo conceito de distribuição do poder em três braços (Executivo, Legislativo, Judiciário), a fim de limitar o poder de eventuais tiranos: “Para que não haja abusos, é preciso que o poder detenha o poder”. Infelizmente, mais para mal do que para bem, Eduardo Cunha mostrou que o Legislativo, se quiser atuar de forma mais autônoma e independente, pode, e deve, impor derrotas políticas consecutivas ao Executivo, se essas derrotas forem pertinentes e no interesse da nação, é claro.


Agora, focando mais na decisão do STF, como disse anteriormente, o princípio do bicameralismo parlamentar foi alavancado ao extremo e algumas disposições regimentais da Câmara foram restringidas, pois muitos cientistas políticos e juristas respeitados consideravam que o artigo-51, incisos-I & III, que proclama:


“Art. 51: Compete privativamente à Câmara dos Deputados:


I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;


III – elaborar seu regimento interno;”,


dava à Câmara dos Deputados o poder de não só autorizar, mas também de, automaticamente, instaurar o processo junto ao Senado Federal; contudo com a decisão do STF, que teve 3 pontos principais: 1) que o Senado tem o poder de arquivar o processo de impeachment autorizado por 2/3 dos deputados na Câmara. 2) que o voto da comissão especial na Câmara deveria ter sido aberto e não secreto como ocorreu; 3) e que as eleições avulsas de deputados, sem interferência das lideranças dos partidos e dos blocos políticos, não são válidas; tanto a independência entre Câmara dos Deputados e o Senado Federal foi linearmente efetivada quanto o regimento interno da Câmara, amplamente reinterpretada por Eduardo Cunha a seu favor, sofreu interpretações mais restritas, principalmente, no rito de impeachment do(a) presidente da República. Confesso que considero invasivo e perigoso, não o conteúdo da decisão do STF em relação à Câmara, o qual concordo nos itens 1 e 2; no entanto, a forma de ativismo judicial com a qual o STF agiu, modificando os precedentes regimentais, questão “interna corporis” de prerrogativa constitucional da Câmara dos Deputados, nos itens 2 e 3. Essas modificações regimentais devem ser feitas pela respectiva casa legislativa que deve ter autonomia de decidir sobre seus procedimentos internos, causada é claro pela pressão e clamor popular e não por ativismo judicial.


Outras reverberações dessa decisão do STF no sistema político brasileiro dizem respeito ao relativo ganho de força dos líderes partidários, pois, agora só eles poderão nomear os deputados de suas escolhas para as comissões fixas e especiais, no entanto, isso efetivamente já ocorre, porque nenhum deputado consegue se colocar naquelas comissões que ele(a) deseja estar sem a anuência dos seus líderes partidários. Portanto, na minha opinião, essa discussão é um tanto quanto inócua. Já a decisão de manter o voto aberto para as comissões que decidem sobre o impeachment é muito relevante, pois os deputados terão que se expor não somente aos seus eleitores, como também para o governo, pois esses deputados não poderão mais se esconder de futuras retaliações nas urnas ou na suas influências junto ao Executivo. Outrossim, devemos lembrar que o Congresso como um todo, mas, em especial, a Câmara dos Deputados é a casa legislativa que representa o povo brasileiro e, portanto, a grande maioria das votações e deliberações parlamentares devem ser públicas e notórias, com exceção de alguns assuntos de segurança nacional, como operações militares secretas, entre outras.


Uma outra constatação óbvia e negativa, e que vem se agravando com o passar das décadas pós-redemocratização é o fenômeno da judicialização dos conflitos de cunho político, não por culpa do Judiciário, mas pela omissão do processo legislativo dos nossos deputados e senadores, os quais, ao invés de legislar sobre questões e reformas essenciais para a sociedade em diversas áreas como educação, saúde, segurança, infraestrutura e etc, preferem atuar em articulações políticas e pessoais corruptivas, para ver como podem ganhar ou lucrar mais com o poder. Com isso, o Judiciário tem-se fortalecido, desproporcionalmente, em detrimento do Legislativo. Ademais, o STF vem agindo bem regulando e mediando os conflitos entre o Executivo e o Legislativo. Em suma, concordo com o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, que declarou que mesmo com todas as críticas e deficiências tanto o Judiciário, como um todo, como também as instituições de fiscalização como a Polícia Federal e o Ministério Público têm funcionado relativamente bem; porém, esse Poder também precisa de reformas a fim de evitar o nepotismo, a judicialização excessiva dos conflitos e os recursos judiciais infindáveis, e deve investir em infraestrutura digital, para tornar os processos mais céleres, acessíveis a todos e penas mais justas em relação aos crimes cometidos.


Outro consequência de clara importância acerca do STF é a gradual independência de seus ministros em relação aos mandatários do Executivo que os indicam e os senadores que os aprovam para compor a mais alta corte do país. Apesar de muitas acusações, principalmente nas redes sociais, que o ministro A ou B são demasiadamente simpáticos a determinados partidos, a este ou àquele político, quando analisadas algumas decisões e votos dos ministros, pode se constatar, até com certa precisão, que os votos dos ministros não são tão vinculados politicamente assim. Por exemplo, nos últimos julgamentos de grande importância para o país, como na Ação Penal 170, conhecida como Mensalão, teve como relator o ministro Joaquim Barbosa, indicado pelo ex-presidente Lula. Barbosa foi o responsável, junto com os ministros que o acompanharam, alguns desses ministros que também foram indicados pelos governos do PT, pelas prisões de políticos da alta cúpula do PT como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno. Esse caso do rito do impeachment é também exemplar nesse sentido.


Devemos lembrar que, atualmente, 6 dos 11 ministros foram indicados por administrações petistas, e 5 desses pela presidente Dilma Rousseff. Nesse caso específico, ADPF 378, o relator, Luiz Edson Fachin, foi exatamente o último indicado para vaga no STF por Dilma, e o ex-advogado do PT, ministro Dias Tóffoli, votaram de forma, veementemente, contrária aos interesses da presidente da República, então cai por terra essa teoria da conspiração que esses ministros, entre outros, seriam, necessariamente, os mais influenciados pelo Planalto; contudo, esses dois podem ter previamente consultado os votos de seus pares e, analisando a formação de uma maioria pró-Dilma, decidiram divergir da maioria para sinalizar suas "autonomias". É possível que esse jogo de bastidor aconteça, mas prefiro acreditar que as pessoas que ocupam aquelas honradas cadeiras no STF têm um senso histórico, de dever e de sua importância para a nação a frente de qualquer outro interesse pessoal. Até nos Estados Unidos, claro, guardadas as devidas proporções, pois sabemos que o Judiciário naquele país tem por princípio nuclear a independência dos “braços políticos” da República, os juízes da Suprema Corte têm suas filosofias bem assentadas entre ser mais ou menos liberal, ou seja, de inclinação mais em sintonia com o partido democrata; ou mais ou menos conservador, ou seja, de inclinação mais em sintonia com o partido republicano. Desse modo, um ou outro ministro ter essa ou aquela inclinação ideológica é normal e até traz alguma segurança jurisprudencial, fundamental para a estabilidade jurídica, para a corte.



Para concluir, é plausível dizer que com o novo rito processual do impeachment presidencial, nos crimes de responsabilidade, ficou mais difícil de ser levado a cabo pela necessidade de anuência do Senado à instauração, ao processamento e ao julgamento do impeachment. Fica assentado que a Câmara dos Deputados, tão somente, recebe e autoriza os pedidos de impeachment, contudo, a partir de agora, a aprovação no Senado Federal para que o processo continue é necessária. A Câmara perde poder nesse sentido e mantida autonomia das duas casas, a Presidência da República sai fortalecida, no sentido, da proteção dos mandatos presidenciais; no entanto, como vimos anteriormente, esse “fortalecimento” é apenas relativo, pois o Senado Federal sai ainda mais fortalecido nesse processo de impedimento. Ou seja, o sistema político-democrático brasileiro evoluiu no sentido de descentralizar um pouco do Poder Executivo para os Poderes, Legislativo e Judiciário, e em especial, este, já que muitos dos conflitos e ritos políticos entre o Executivo e o Legislativo têm sido judicializados. Portanto, ao meu ver, a descentralização do poder no Executivo é positiva; ao passo que o fortalecimento do Judiciário, da forma que está acontecendo, é negativa, pois o Judiciário deve interpretar as leis e não produzi-las em julgamentos de casos concretos, essa atribuição deve ser do Legislativo, que, como vimos, não está atuando nas áreas que necessita para evitar que a judicialização dos processos políticos aconteça.





David E. Barreto

Cientista político e historiador

Formado na City University of New York – Queens College.


dbrazilianny@aol.com

https://www.facebook.com/david.barreto.100

 
 
 

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