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A máquina mais perigosa para democracia brasileira não é a urna eletrônica e sim as verdadeiras máqu

  • Foto do escritor: Guilherme Carvalho
    Guilherme Carvalho
  • 6 de jan. de 2016
  • 6 min de leitura

A máquina mais perigosa para democracia brasileira não é a urna eletrônica e sim as verdadeiras máquinas político-eleitorais de voto no Brasil

Não importa se é a cédula é de papel, e nem se a urna é eletrônica, a máquina mais corruptiva da “oligo-democracia” brasileira são as máquinas político-eleitorais que feudalizam o voto em cada município e estado, os quais acabam compondo boa parte do eleitorado brasileiro. Qualquer reforma política que não combata esse tipo de prática histórica no Brasil, não mudará ou aperfeiçoará de fato, ou de modo significativo, o sistema democrático no país.

Essas máquinas políticos-eleitorais, feudos, ou “currais eleitorais”, como a historiografia brasileira os qualifica, sofisticaram-se de tal forma no Brasil, que toda a simbologia constitucional do pleito eleitoral, que almeja tratar o voto como um verdadeiro bastião democrático de direito constitucional, individual e inalienável de cada eleitor-cidadão brasileiro, é fragmentada ao ponto de ser quase que completamente esvaziada. Ou seja, o direito de escolha, autônomo e independente, de grande parte dos eleitores é cooptado, coagido, corrompido e manipulado pelas oligarquias políticas que comandam essas máquinas político-eleitorais e, portanto, selecionam quem são os candidatos a serem votados.

A cultura clientelista, patrimonialista, corporativista e coronelista que permeia a política brasileira desde os tempos da formação da República Velha, e até antes disso, nos períodos, colonial e imperial, que trata o Estado, os espaços e os bens públicos, como verdadeiras propriedades privadas ou para ganho particular, infelizmente, ainda se faz muito presente nas práticas políticas e eleitorais no nosso país.

O antigo “voto de cabresto”, que era basicamente colocar em um “pau de arara”, ou caminhão, todo um grupo de famílias dependentes de um “coronel” ou líder político de certa localidade, para votar no candidato escolhido pelo patrão, se transformou, ou se modernizou, em “voto comprado”, ou no que eu chamo de “voto coagido”, que é basicamente a mesma coisa, só que controlado, não por um eventual medo de retaliação física e/ou financeira dos capangas do coronel como acontecia antigamente, mas pelo provimento ou não de favores pecuniários de dinheiro público, de cargos de confiança ou de favorecimentos de alguma natureza.

Quando nós vemos figuras como os Sarneys, no Maranhão e, agora, no Amapá; Fernando Collor e Renan Calheiros, em Alagoas; Jader Barbalho e seus comparsas, no Pará; os irmãos Ciro e Cid Gomes, no Ceará; Paulo Maluf e seus “paus-mandados” junto com Lula e seus sindicatos, em São Paulo; os irmãos Viana, no Acre; os Arrudas e os Rorizes, no Distrito Federal; os irmãos Cassol, em Rondônia; a família Magalhães, na Bahia; Roberto Requião, no Paraná; Esperidião Amin, em Santa Catarina; a família Arraes, em Pernambuco; a família Neves, em Minas Gerais; Cabral e Picciani, no Rio de Janeiro; etc...etc...etc...sendo eleitos e re-eleitos anos, perpetuando-se décadas a fio, é justamente o resultado dessas máquinas político-eleitorais, as quais não só comandam a política nos estados, como também acabam comandando a política nacional no Congresso e no aparelhamento de todos os setores do Estado brasileiro.

A coisa ficou tão sofisticada, com o passar das décadas, que toda uma superestrutura político-eleitoral, dividida em uma macro e em uma microestrutura, se instalou e evoluiu com as novas demandas da redemocratização, modernização, tecnologia, globalização e demandas da sociedade. A macroestrutura é comandada no nível federal, tanto pela presidência da República quanto pelo Congresso Nacional, e hoje vemos até mesmo o Judiciário, nos tribunais superiores, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem Dias Tóffoli, ex-advogado do PT, como presidente; e o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem como atual presidente, Ricardo Lewandowski, amigo pessoal de Lula e José Dirceu, desde os tempos que aquele era juiz em São Bernardo do Campo-SP, curral originário do PT. Sobretudo, o STF atualmente está quase que totalmente composto por ministros indicados pelo último e pelo atual governo petista: 8 dos 11 ministros do STF. Apesar de alguns desses ministros terem sinalizado alguns votos contrários aos interesses do governo petista, como no recente julgamento do rito do impeachment de Dilma Rousseff, o resultado final desses julgamentos acabou por favorecer os planos do Planalto, ou atenuando as penas dos condenados, ou julgando em favor do governo. Mesmo com a importância de seu precedente, o julgamento do Mensalão comprovou o favorecimento evidente de alguns dos ministros para com os réus, os quais eram claramente culpados pelas evidências apresentadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) e tiveram suas penas diminuídas por embargos infringentes nunca utilizados pela jurisprudência moderna brasileira; e isso mesmo com os esforços hercúleos do ministro-relator do processo, Joaquim Barbosa, para punir os condenados. Houve avanços no sentido da independência do STF e do Poder Judiciário em relação aos braços políticos de poder, porém ainda faltam reformas essenciais para tornar essa independência em algo incontestável e inviolável. Ademais, esses tribunais superiores têm impacto direto nas eleições, decidindo, de maneira parcial e integral, quem é ficha suja e quem não é.

Portanto, no topo da pirâmide de poder, as influências políticas e burocráticas dos ministérios, das autarquias, das agências governamentais e das empresas públicas dessas autoridades políticas, no nível federal, se enraízam rumo aos estados, beneficiando aliados ou “testas de ferro” que passam a ser verdadeiros cabos eleitorais de luxo em nível estadual e local. Assim, ministros de Estado, senadores, deputados federais, presidente de autarquias e de conselho de grandes empresas públicas, beneficiam com cargos, promessas políticas, licitações, favorecimentos e etc, alguns governadores, deputados estaduais, prefeitos, vereadores e empresas privadas, que possuem contatos mais próximos com aqueles e financiam ou apoiam suas campanhas. Imagine esse tipo de relação em todas as direções e em todo tipo de aliança, favorecimento e troca de favores possíveis, pois essa capilaridade política é muito complexa e enraizada. Temos aqui um verdadeiro câncer que se espalha e se expande muito rapidamente.

Na parte da microestrutura dessas máquinas políticos-eleitorais, além das alianças e coligações estaduais e locais sem nenhum conteúdo programático, todo gabinete de políticos, de pessoas em cargos comissionados, recebendo salários com o dinheiro público, contratando muitas vezes funcionários “fantasmas”, para que as verbas indenizatórias e de gabinete sejam devolvidas, como propinas, aos parlamentares, aos secretários, aos juízes, aos ministros, aos procuradores, aos defensores públicos, e etc; há também os “cabos eleitorais”, esses rasos, que trabalham nos gabinetes desses políticos ou funcionários públicos de alto e médio escalão, e que agregam e cooptam pessoas próximas, amigos, familiares e seus empregados e dependentes como eleitores para manter esses políticos no poder com o voto comprado ou coagido. Nos Estados Unidos, por exemplo, a maior parte dos funcionários de gabinetes parlamentares e departamentos de governo são ou concursados, ou voluntários e estagiários. Só uma pequena parte desses empregos são de cargos de confiança. Além desse apoio institucional de gabinetes parlamentares, autarquias, secretárias, agências, empresas públicas e etc, que financiam e dão apoio logístico-operacional-eleitoral às campanhas individuais desses políticos, em clara e evidente violação das leis de proibição do uso da máquina pública para atividade eleitoral, outro modo de feudalização e enraizamento dessa coação de votos e corrupção eleitoral são as alianças de certos políticos e partidos com associações de moradores; clubes sociais e locais; igrejas e outras instituições e líderes religiosos; ONG’s de diversas finalidades; movimentos sociais; sindicatos e entidades de classe; milícias, traficantes, estelionatários, doleiros e outros agentes do crime organizado. Temos ainda as coligações de partidos de aluguel que fazem dinheiro, cobrando uma quantia para viabilizar candidaturas nessas legendas. Ou seja, se tiver dinheiro, você pode comprar uma candidatura nesses partidos nanicos, tornando a filiação partidária em balcão de negócios, troca de favores e de adição de tempo de televisão na propaganda eleitoral gratuita para os partidos maiores.

Em suma, em um país que só o governo federal emprega, direta e indiretamente, mais do que 100,000 pessoas em cargos comissionados e de confiança, sem concurso público, e que somam cerca de 16% de todos os cargos públicos do governo federal, sobretudo, contando com o pessoal dos ministérios esses cargos de livre nomeação custam aproximadamente R$ 424 bilhões ao ano aos cofres públicos, ou seja, dinheiro meu e seu, nosso! Outrossim, todo esse aparelho estatal tem o uso logístico-operacional-eleitoral para promover campanhas políticas individuais, e projetando, de modo conservador, que nos estados e municípios esse número de funcionários públicos de livre nomeação, basicamente, quintuplica para mais de 500,000 cargos de confiança, nos diversos gabinetes, secretarias e agências públicas, dos estados e dos municípios, que operam para formar verdadeiros blocos de compra de voto seja por dinheiro, mantimentos, benefícios, promessa de cargos, influência, e diversos outros tipos de favorecimentos, não adianta ter dispositivos para impedir fraudes eleitorais com uma urna eletrônica, que claro, tem suas deficiências e lacunas que deveriam ser sanadas com uma urna eletrônica e outra física para ser contada em caso de contestação; contudo, o voto pode ter qualquer tipo de tecnologia, formato ou método, com esse tipo de superestrutura oligárquica-eleitoral no Brasil, o voto será sempre “algo a ser trocado” ou “moeda de troca”, ao invés de ser um direito verdadeiramente democrático-constitucional que exprime a verdadeira escolha dos eleitores em sua capacidade autônoma. Além disso, uma reforma política que não inclua sanções pesadas para políticos e funcionários públicos fichas-suja, ou que viola as leis eleitorais sem nenhum tipo de punição célere e pesada, terá um efeito pífio ou nulo, como quase todas as leis no Brasil hodierno.

David E. Barreto

Cientista político e historiador

Formado na City University of New York - Queens College

dbrazilianny@aol.com

https://www.facebook.com/david.barreto.100

 
 
 

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